As delícias e as agruras de se estar durante mais ou menos duas horas presa em uma sala escura com pessoas desconhecidas sem saber o que vai acontecer ou qual o desenrolar da história! Como eu amo e me sinto ao mesmo tempo angustiada por ir ao cinema.
Amo pelas histórias fantásticas, pelas pequenas epifanias, pelas belas imagens, pelos diálogos que me arrepiam a pele. Ok, não é sempre assim, mas as vezes em que isso acontece salvam todas as outras vezes em que isso não acontece.
Em tempo: se Glorinha Kalil estivesse na sessão de
Tempos de Paz que eu fui, viraria para a câmera do
Fantástico e diria que não se conversa durante a exibição do filme, sob hipótese alguma, mas principalmente se você está querendo conquistar a menina que conheceu pela internet e está vendo ao vivo pela primeira vez. E, continuaria Glorinha Kalil, jamais (
veja, ela diria JAMAIS!) se bate palmas no final da sessão. Ela completaria que se você gostou do filme pode sempre mandar um email ou uma carta para o diretor, para os atores, e explicaria que bater palmas é uma homenagem para performances ao vivo, como no teatro ou num show. E repetiria que jamais mesmo se bate palmas no cinema.
Mas a pessoa que não leu, no livro de etiqueta, o parágrafo que fala sobre não conversar durante a exibição do filme provavelmente pulou o capítulo inteiro e não aprendeu sobre bater palmas. Nem leu a observação de que é como depois do
Hino Nacional, nunca jamais, nem numa apresentação ao vivo, se bate palma.
Enfim, nem todo mundo sabe ler, mas não é esse o assunto. O filme é muito bom. É bem parecido com o
Náufrago no Aeroporto, que é como eu chamaria o filme antes de espiar no IMDB. Inclusive o
ator é o
mesmo, com o mesmo ar meio abobalhado, mas com bem mais conteúdo.
O
Tony Ramos é um excelente ator, com uma quantidade infinita de criar trejeitos e idiossincrasias para os personagens que interpreta, o que torna a história ainda mais densa. Ele é um fiscal da alfândega, mais ou menos na anistia de 1945, e fica no dilema de fazer seu trabalho, que é controlar os imigrantes, e obedecer à nova ordem e às novas regras, que é deixar o rigor de lado e as regras de guerra. O mote é justamente esse: ele foi treinado para os tempos de guerra, e agora que são tempos de paz não sabe o que fazer. Enquanto que o Dan Stulbach faz o papel do imigrante, que por ter vivenciado a guerra não sabe mais o seu papel como indivíduo no mundo.
O filme tem uma reviravolta que o Náufrago do Aeroporto não tem, o que lhe confere uma integridade e densidade e beleza, mesmo não tendo a Catherine Zeta-Jones no elenco.
A única coisa que me incomoda um pouco é a tentativa Woody-Alleniana do diretor, Daniel Filho, de aparecer e participar da história. Sim, a personagem que ele interpreta é importante, mas qualquer outro ator poderia fazer tão bem quanto ele. Ou de repente até melhor. Até porque o diferencial do Woody Allen é que ele nunca almeja ser alguém mais que ele próprio, só que no telão. E por isso o Daniel Filho perde pontos.
Ainda assim, no cálculo de prós e contras, o filme vale a pena de ser assistido. Desde que as pessoas que se sentarem com você na sala de cinema tenham o mínimo de educação e deixem as conversas
awkward de primeiro encontro para o momento
depois do filme.