julho 20, 2008

A Cautionary Tale

Como é difícil falar da amizade. Não porque não a conheça, mas porque não posso prescindir dela.

É difícil mais porque não consigo me colocar racionalmente quanto à questão, e quanto mais eu penso sobre, mais nuances encontro, mais riqueza na trama e nos fios encontro, e aí eu resolvo seguir um fio para ver onde ele se liga comigo e com os outros fios dessa intricada rede, e acabo por me perder. E a beleza é que me perder aqui não é necessariamente perder, ou me perder de mim, mas encontrar, re-encontrar, conhecer.

Esses dias estava lendo um livro sobre livros (e nada é mais absurdamente "coisa de escritor" que ler livros sobre livros) e em um dos capítulos encontrei a passagem abaixo. Eu gostaria de encontrar o conto completo, porque deve fazer algum sentido maior, mas não se preocupe com isso, porque ler apenas o trecho não vai diminuir em nada a compreensão do que eu quero dizer.

No conto, pelo que eu entendi, (e no livro que fala sobre livros há uma explicação um pouco melhor sobre o enredo da história, sobre o ponto onde encontramos e conhecemos os personagens, que eu tentarei repetir aqui), a Patty vinha tentando se livrar desse fulano que não recebe o nome aqui no trecho, mas que divide apartamento com ela e, apesar de alguns momentos de ternura e afeição, provoca um certo desprezo, e uma vontade de se ver livre dele. Aí chegamos bem na hora que o fulano está com as malas prontas, na porta, se despedindo de Patty, e que ela, com um certo pavor, se dá conta de que agora não deseja mais que ele vá embora, que gostaria que ele ficasse mais, que ela tivesse sido mais compreensiva com ele e pudesse ter aproveitado melhor os momentos compartilhados com fulano.

E bem, vamos ao texto. O texto fala do quão adesivo é o amor, e eu concordo. Indepentende do tempo que dure, a relação entre duas pessoas cria uma espécie de membrana permeável, como uma troca celular, oxigênio e nutrientes, troca que gera energia - por causa da queima - e por isso mesmo deixa marcas. No nível celular, tem algo a ver com o envelhecimento, radicais livres, algo assim, e a preguiça maior me impede de procurar agora sobre o assunto. Mas o amor, ou a amizade - a que as pessoas se referem para encerrar o assunto, colocar logo o rótulo e poderem seguir adiante com suas vidas - deixa outro tipo de marcas, deixa a essência do outro em nós, e mimetiza um tanto de nós no outro.

Ninguém passa por uma amizade incólume. Particularmente só posso dizer que minhas experiências têm sido mais positivas que negativas. Que as experiências negativas têm sido curtas, rápidas, descartáveis mesmo, com um prazo de validade bem curto e nenhuma forma de mascarar isso. E posso também dizer que minhas experiências positivas têm sido duradouras, e quanto a isso só tenho a agradecer. Têm, também, sido gratificantes, e me torno cada dia uma pessoa melhor justamente por causa desse grude que fica em mim, por causa dessa substância aderente, envolvente - a que o texto se refere como uma selva viscosa, e que eu imagino ser uma calda de caramelo ou de frutas vermelhas, porque assim é mais gostoso - que traz o melhor de mim.

Por fim, o texto fala (e, puxa, um texto tão pequeno e ela encontra tanta coisa aí, alguém deve estar pensando, que até vale a pena ler. Ao que eu replico que sim, vale muito a pena ler. E peço, novamente, se alguém se deparar com o texto completo, original ou tradução, por favor me mande), não, o texto recomenda que se você não quer esse caramelo-da-outra-pessoa em você, é melhor nem se aproximar de qualquer pessoa, é melhor não trocar nenhuma palavra, nem um olhar. Porque no momento em que houver contato, e a partir desse contato surgir a compreensão, aí você tá perdido, e aí já pode encontrar algum laço de amizade, e aí terá para sempre a calda, o caldo, o doce, a baba (dependendo das pessoas), e inclusive o veneno, em alguns casos, que a outra pessoa deixará em você. E sim, você também deixará um rastro, somos todos lesminhas deixando uma gosminha uns nos outros. Algumas gosminhas vêm com glitter, outras evaporam feito acetona de tão dispensáveis. Mas todas deixam sua marca.

Mas deixa eu deixar o meu bla-bla-bla de lado, leiam o texto.


Até agora, Patty nunca se dera conta de que o tempo é tão adesivo quanto o amor,
e que quanto mais tempo você passa com alguém, mais é provável que se encontre
com uma espécie de coisa permanente com que lidar, a que as pessoas se referem
despreocupadamente como “amizade”, como se isso esgotasse o assunto, quando a
verdade é que mesmo que “seu amigo” faça alguma coisa irritante, ou que você e
“seu amigo” concluam que vocês se detestam, ou que “seu amigo” vá embora e vocês
percam o endereço um do outro, você ainda tem uma amizade, e embora ela possa
mudar de forma, parecer diferente sob diferentes luzes, tornar-se um embaraço,
um estorvo ou um sofrimento, ela não pode simplesmente deixar de ter existido,
não importa quão profundamente se enterre no passado, de modo que tentativas de
negá-la ou destruí-la não só constituirão traições da amizade, mas de maneira
mais prática estão fadadas a ser infrutíferas, causando dano apenas para os que
seres humanos envolvidos e não para aquela selva viscosa (a amizade) em que
esses seres humanos se enredaram, de modo que se em algum momento no futuro você
for querer não ter sido amigo de uma pessoa particular, ou se for querer não ter
tido a amizade particular que você e essa pessoa podem ter um com o outro, então
não se torne amigo dessa pessoa de maneira alguma, não converse com ela, não
chegue perto dela, porque assim que você começar a ver alguma coisa do ponto de
vista dessa pessoa (o que acontecerá inevitavelmente assim que você se colocar
perto dela
) as bases para uma compreensão mútua certamente vão escorregar sob os
seus pés.



(Extraído do conto A Cautionary Tale, de Deborah Eisenberg)

E como fica difícil tentar racionalizar uma coisa tão frágil, sendo ao mesmo tempo tão impactante, como a amizade. Em vez de falar sobre ela, eu sempre prefiro vivê-la.

E nunca é demais agradecer pelas pessoas que eu conheço, que me deixam coberta de purpurina e chocolate e caramelo.

2 comentários:

Pam Nogueira disse...

Blondie!!
Eu também tenho que agradecer muito, eu tenho tido muita sorte nas minhas amizades e acho que aprendi a dispensar o veneno mais rápido :p
A tua gosminha (hahaha, ou a tua calda de frutas vermelhas - ai, adoro!) é com glitter! YES!
Fico muito muito muito feliz por ser tua amiga!
Beeeeeeeeeeijos

Cris Moreira disse...

ÊÊÊÊÊÊÊ, gosminha!

E com glitter!

E perfumada!

E, no teu caso, com longos e lindos cílios!

Beijo