janeiro 30, 2008

Hermetismos

Ando muito hermética, é fato. Mas é assim mesmo, de tempos em tempos tudo se mistura, mas não se homogeneiza, como uma massa embolotada.

E também isso é parte do processo, avaliar a massa, dosar as quantidades, colocar a manteiga e o açúcar e o chocolate e mexer lentamente, sobre calor constante - nem tão quente que tudo queime, nem tão frio que não sirva para fazer funcionar, numa temperatura tão adequada quanto um abraço - e observar como tudo vai aos poucos deixando de ser manteiga e açúcar e chocolate para tornar-se calda, uma calda espessa e escura, e ainda assim não ser exatamente o que se deseja, porque daí é preciso adicionar também a farinha, e diminiur o calor para que ela não embolote, e continuar mexendo constantemente, nem muito vigoroso para agitar ainda mais as moléculas do fermento e causar um crescimento precoce (o que pode pôr tudo a perder) e nem tão delicadamente que não provoque a mistura desejada. E depois, ainda se coloca tudo em forminhas, e dentro do calor hermético do forno, provoca-se a transformação.

O que se observa, ao final do processo, é que a farinha e o fermento alquimisticamente (ou, em outro significado, só para ser um tantinho repetitiva, hermeticamente), adicionado o calor intenso do fogo, incitam o chocolate e a manteiga e o açúcar a abrirem mão de suas existências sem abdicarem de suas essências e tem-se um delicioso petit-gateau. Que, ainda assim, não é uma coisa só, mas uma sobremesa em transformação, pois aparentemente é um bolinho com a casca torradinha mas, ao se quebrar a casca, tem-se um delicioso creme, que acaricia a língua e aquece por dentro, acabando por transformar também quem prova.

O hermetismo deixa de ser misterioso e confuso, passa por alguns momentos de alquimia e transformação e pode encerrar-se em si mesmo, num ente perfeito, arrendondado, sem início e sem fim. Como é sem início e sem fim todas as transformações por que tem que passar uma pessoa.

Neste momento o meu hermetismo quer dizer confusão mesmo, afinal ainda estou na fase de montar os ingredientes, ainda não acertei a água do banho-maria para derreter o chocolate, mas estou tentando, provando outras formas, transmutando os elementos dentro de mim para chegar ao ponto certo da calda. Assim a minha casca por fora serve pra proteger o cremoso recheio - o chocolate! - da minha vida, que só se abre e é oferecido a que realmente merece.

Ainda não cheguei de todo ao ponto da hermética do forno, ou, pior, já estou lá e ainda não notei. Tudo bem. Se estou lá é porque estou transmutando, combinando todos os elementos de mim até chegar no ouro. Ou melhor, na calda de chocolate, antes que eu me perca na própria imagem que criei e acabe sendo ainda mais hermética do que planejava.

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