junho 28, 2007

É tudo culpa da mídia

Ontem teve Fronteiras do Pensamento, ciclo de altos estudos - como eles se auto-intitulam, eu prefiro pensar em provocações e instigações ao pensamento crítico e à construção de uma nova realidade, mas é só porque eu sou meio chatinha - que está acontecendo na cidade e vai até dezembro. Apresentação de Mark Dery e Donaldo Schuller. O tema era a banalização do sexo na mídia, a pornografia institucionalizada pelos meios de comunicação e pelo comércio cultural do mainstream (inclusive ele citou um livro, aparentemente bestseller nos EUA, chamado Make love like a Porn Star, que seriamente contrasta com a cruzada neocristã encabeçada pelo presidente W Bush) e a des-erotização da sociedade, em como a des-erotização - no sentido da Grécia Antiga - isola os cidadãos e incita atitudes de violência, desde a mais pequena* até a mais brutal.

Gostaria de ir adiante na explanação sobre o que eu achei da palestra, e como isso mudou a minha perspectiva de pornografia (pornografia, de acordo com Dery, é tudo aquilo que é reprimido, condenado, escomungado, da cultura construída pela sociedade). No caso dos EUA, ele diz, a crescente onda de fetichismos dos mais variados, bizarrismos e estranhismos, mesmo que em princípio não pareçam de qualquer modo relacionados ao ato sexual em si, nada mais é do que um resultado direto da crescente repressão e obsessão pela religiosidade e padronização de crenças e costumes a todo custo. Quando mais se espreme o sexo, mais estranho ele fica, e mais vai aparecendo pelas beiradas, muitas vezes de uma maneira não-saudável, agressiva ou até desumana. As fotos tiradas pelos soldados americanos no Iraque, abusando de prisioneiros de guerra, não viola somente a Convenção de Genebra e coisas do gênero, mas alça a violência, o poder, a capacidade de infligir dor, numa atitude puramente sexual (so help me Freud para o que eu vou dizer), cogitando a transformação simbólica dos rifles em falos tão poderosos que são até capazes de matar.

Exageros? Pode ser que sim. Nós frequentemente esquecemos que o sexo é parte tão essencial do ser humano quanto comer e dormir, e acabamos por submete-lo a uma categoria menor de necessidade, ou de impulso, desqualificando-o, minimizando sua importância, pois a aceitação de sexo, da necessidade de sexo, em nossas vidas significa também relagarmos à condição de meros animais que sabem falar e construir escadas rolantes. Até que ponto não seria mesmo o desejo sexual a força motriz de toda a transformação e evolução da sociedade?

De quaquer forma, um charuto pode ser apenas um mero charuto, a significação e sub-textualização está sempre nos olhos de quem vê, e basta a pessoa ser um pouco mais criativa para ver qualquer coisa em absolutamente qualquer coisa.

A conclusão é que a des-erotização cultural é também uma des-humanização do ser humano, e a pornografia atual (real core, aquaphiliacs, amateur-fetish porn people, hiccup lovers, so forth) nada mais é do um resultado dessa coisificação, dessa compartimentação dos indivíduos.

A mistureba cultural e tecnológica em que vivemos hoje, somada ao fato de não sermos mais compreendidos holisticamente pela sociedade, associada com a facilidade de estar disponível para o mundo e ter tudo e qualquer coisa disponível a um clique de distância, cria bizarrices e desvios dos mais variados e nunca antes imaginados. E, pasmem, sempre há público. É a velha lei de mercado, onde há oferta, há a demanda.

Na opinião de Dery, o ser humano sempre foi bizarro e esquisito. Isso não aumentou com o surgimento da internet nem com a queda do Muro de Berlim. O que acontecia antes é que não chegava até o mainstream, não respingava no comércio, não gerava dividendos. E hoje qualquer um que saiba apertar um botão pode ser diretor/ator/modelo/manequim/superherói/comida de gigantes (sim, existe uma comunidade de pessoas cujo fetiche é se imaginar tão minúsculo a ponto de ser engolido por uma outra pessoa, de proporções gigantescas) de posse de uma câmera digital, um computador e uma conexão. Não precisa nem editar. Não precisa nem ir lá com o Photoshop, mesmo com espinha tá valendo.

Não há fronteiras para o esquisito.

Assim como não há também fronteiras para a maldade. Enquanto alguns sentem tesão por tomar banho de roupa, outros acham bonito desviar dinheiro público, roubar e mentir e negar a realidade com a cara mais lavada do mundo, tendo a maior certeza do mundo de que não haverá punição - uma vez que não há crime, ao menos na concepção de crime deles lá - e de que assim que passar o pipocar dos flashes e das manchetes, tudo voltará a ser o que era antes, e as verbas continuarão a ser desviadas e dossiês continuarão a ser montados para incriminar, chantagear, dominar, controlar. Porque, afinal de contas, é tudo culpa da mídia, sabe, que fica metendo o nariz onde não é chamada, que fica investigando coisa demais, que fica perguntando o que não pode e descobrindo o que não deve. É tudo culpa da mídia. Do apagão aéreo à derrota da seleção de futebol.

Pornografia pode até ser o impulso sexual desviado e direcionado ao diferente, ao estranho, ao bizarro. Mas, pra mim, indecência mesmo é o que acontece no Senado, nas Câmaras Legislativas, no gabinete da Presidência (onde não se sabe, não se ouve, não se vê nada mas se anda de jatinho pessoal), nas discussões de suborno, chantagem, extorsão, nas ligações para combinar envio de propina, nos acertos verbais de mensalão. Isso sim é indecência.

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