outubro 10, 2007

In the wee small hours of the morning

É quando eu consigo escrever melhor.

Na segunda, depois da discussão literária e gastronômica na Isolde, na volta, no táxi, as coisas - casas, árvores, portões e grades, carros estacionados, guaritas, prédios e postos de gasolina fluorescentes - me pareciam tão óbvias e tão belas e aquelas voltas e voltas me pareceram tão eternas e necessárias que poderia até adormecer não fosse o medo de ser assaltada/atacada/ou coisa pior.

E se não fosse tão tão tarde - note por favor os dois "tão", propositalmente para duplicar a sensação de tardiamento - poderia chegar em casa, tomar alguns copos d'água e seguir pensando, agora escrevendo, juntando as palavras como se juntam miçangas num fio. Talvez as miçangas não fossem exatamente combinantes àquela altura da manhã, mas certamente seriam brilhantes.

E hoje quando estava voltando para casa, depois de mais uma da série "situações patéticas em que se sente vergonha pelos outros", encontrei pelo caminho que faço sempre um carro estacionado pegando fogo. Não como nos filmes - e acostume-se que nada é como nos filmes. Isso que chamam de vida real pode até parecer, mas não há trilha sonora. E os diálogos não são tão interessantes... Ainda mais aqui. Aqui até é como a vida, mas com um tantinho de ficção. E também é um pouco como nos filmes, tirando as partes que são reais. Mas, como eu ia dizendo - Não havia chamas mas havia fumaça, muita muita fumaça, saindo do capô, e o ferro já estava chamuscado, com a tinta enrugada, com o vidro trincado. As pessoas em volta jogavam o que me pareceu ser o último balde por sobre o carro, e havia um policial coordenando o trânsito, que já estava um tantinho lento por conta da curiosidade fatalmente humana. O motorista, ou ao menos eu deduzi que era o motorista pelo ar desolado e perdido, quase distante, quase desesperado, apoiava as mãos na cabeça e abria a boca feito peixe que morre por falta de água.

Achei estranho. Achei o cheiro de queimado estranho. Não era metal, nem nada de queimado que eu já tivesse sentido. Era uma coisa meio borracha, meio química. Devia ser a tinta, ou os pneus, também enfumaçados. O cheiro chegou antes. Uma quadra antes e me atingiu nas narinas como se levasse junto a queimação, além do cheiro. Fuligem ardente. Arranhante.

O cheiro grudou em mim por dentro, impregnando o fundo da garganta, e por alguns minutos foi difícil o engolir e o respirar. A acridade colada em mim, impregnou também nas idéias, e até fazer a curva de quase chegar em casa o mundo me pareceu um tantinho pior, uma sequência de imagens de guerra e morte e corpos carbonizados e tsurus em origami depositados no monumento erguido para que ninguém esquecesse a destruição que pode causar o homem. Ou, melhor, a humanidade. Tudo isso passou, machucou um pouco, mas esvaeceu porque, ao fazer a curva, lembrei de pegar a chave - e eu sempre lembro quando faço a curva, nem antes, nem depois - e ela não estava no lugar, e a preocupação de não encontrar a chave a tempo empurrou para longe a fumaça e seu gosto ruim.

E ao chegar em casa, tudo o que mais queria era poder simplesmente estar. Descansar. Não me preocupar. Não ter que conectar o celular na tomada (puxa, a bateria poderia durar mais, não?), nem ter que pensar nas contas ou nas somas a fazer para que os cálculos fechem e os planos dêem certo.

Mas ainda vou longe, por aqui. Tem um texto me perseguindo, e, sabe como é, esses textos que perseguem e insistem, geralmente vale a pena ceder.

E em vez de estar simplesmente, deixarei-me ficar à disposição do texto, esperando que ele resolva pular para o papel. E, depois disso, ainda, arrumar as malas para logo mais viajar.

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